“Às vezes falta fôlego para degustar
tanta poesia! Às vezes falta espaço na sala pra sair dançando estas músicas. Só
não falta a sensibilidade necessária para entendermos o mundo de Renato Russo”.
Essas observações feitas recentemente
por um amigo jornalista e blogger, Silvano Caiçara, sobre o disco “Dois”,
inspirou-me a aceitar o desafio de escrever sobre o terceiro disco da Legião
Urbana, que dá título para este texto.
Fui ouvir pela enésima vez a voz de
Renato Russo e o trabalho da banda.
Diferente de muitos fãs, eu sou
contemporânea de Renato Russo. Nascemos no mesmo mês e ano. Embora tenhamos
repertórios diferentes de vida, somos frutos dos mesmos reflexos sociais brasileiros
e mundiais. O amargo gosto dos anos brasileiros de politicagem suja, sórdida e
de tragédias ambientais. Tenho lembranças da contaminação por radiação com o Césio-137
em Goiânia e do acidente nuclear em Chernobyl, na então União Soviética. Vivências
pela inflação descontrolada, inserção de uma nova unidade monetária, por meio
do Plano Cruzado do Presidente Sarney. E como se tudo isso não bastasse, até a
Argentina sendo Campeã Mundial de Futebol com o jogador Maradona, sendo ovacionado
por muitos como melhor jogador do mundo, melhor até que o Pelé. Mesmo fazendo
gol de mão. Mas aí é outra história. O compromisso aqui é falar de rock, de uma
banda de rock, que até então misturava punk e poesia nos discos anteriores. Naquele
momento, a história do rock brasileiro tinha nos paulistas dos Titãs o álbum “Cabeça
Dinossauro” e o delírio da “Rádio Pirata” do grupo RPM. Outra conversa, não
menos respeitosa também. Veio então a magia surpreendente de Renato Russo, nos
transportando aos primórdios da banda, trazendo no bolso as lembranças do DNA
de um certo “Aborto Elétrico”, que perturbava sonoramente as ruas de Brasília
desde os finais dos anos 70.
Será que isso daria certo?
E aí se deu o passeio e a força que
só a Legião Urbana seria capaz de proporcionar.
Uma capa linda e colorida,
contrastando com o cinza dos dias, com todos os integrantes da banda mostrando
seus rostos. Em primeiro plano o baterista Marcelo Bonfá, depois o baixista
Renato Rocha, só depois o guitarrista Dado Villa-Lobos e por último Renato
Russo. Certeza de uma inversão de tradições, algo mudando.
A simplicidade das cores e o título
fazendo lembrar história e realidade: Que país é este?
O primeiro disco da banda foi uma novidade
impactante. O segundo foi ratificação do talento por meio de uma base melodiosa
enternecendo versos lindos.
Havia quem já tivesse se rendido, mas
havia muitos convictos de que tanto talento, certamente, no terceiro disco não se
repetiria. Os tempos eram de desesperança, difíceis. Daí o questionamento “Que
país é este?” para começar. Por que não lembrar os acordos ilícitos e obscuros
de uma “Conexão Amazônica”, em que imaginários tambores rufavam como códigos?
Já se mostrava o motivo do baterista em primeiro plano na foto. As
lembranças de um “Tédio” (com T bem
grande), insistindo em voltar. E, parecia que recordar tudo isso era entender
que “Depois do começo” o que viesse começaria a ser o fim. Brasil nu e cru. Odiar
“Química” não facilitaria nada para o que continuava ditado como importante para
se dar bem na vida. Mesmo diante de tantos absurdos, havia a necessidade de ser
responsável, cristão convicto, cidadão-modelo e burguês-padrão iniciando por
ter que passar no vestibular. E quando parecia que tudo estava mesmo perdido,
diante de tanta “porrada” e um som que sangrava, surgiu um caminho, houve uma
luz. Parecia que Renato nos lembrava que podíamos desabafar. Mesmo que fosse ao
telefone, no quarto com as portas fechadas. Cabe aqui uma confissão. Creio que
ao ouvir “Eu sei” todo mundo se identifica. Sempre tem alguém com quem queremos
falar por horas e horas e horas. Geralmente é alguém que a gente gosta, e que
escutam as lembranças e histórias, como em uma saga, como num gênero western.
A grande surpresa do disco, chegou
com uma faixa-saga, “Faroeste Caboclo”. Uma canção enorme dos tempos solitários
de Renato Russo como cantor nos idos de 1979 onde é relatada a vida de um certo
João de Santo Cristo, que foi celebrizada.
Mas tem mais, muito mais.
“Se fosse só sentir saudade, mas tem
sempre algo mais”.
Ai, essa frase toca o infinito da
alma.
Viagem certa para a beleza de “Angra
dos Reis” mesmo com velho presídio e usina
Quanta beleza conseguir traduzir
serenidade dentro do caos que se vive, não é mesmo?
Caos....inversões...alertas...questionamentos.
“Ei, menino branco
O que é que você faz aqui?
Subindo o morro pra tentar se
divertir ”.
Qual é o retrato do país? Que país é
este?
Isso é só “Mais do Mesmo”.
Que país é este? É o Brasil!
Lugar onde vive uma certa Legião Urbana,
que sobrevive entre dias e noites pelas quatro estações do ano.
Assim nos resta ter força sempre e
seguir sempre em frente, sem tempo a perder.
Voilá!!!
Por Alcina Maria Conceição.
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