Que País é Este 1978/1987




“Às vezes falta fôlego para degustar tanta poesia! Às vezes falta espaço na sala pra sair dançando estas músicas. Só não falta a sensibilidade necessária para entendermos o mundo de Renato Russo”.
Essas observações feitas recentemente por um amigo jornalista e blogger, Silvano Caiçara, sobre o disco “Dois”, inspirou-me a aceitar o desafio de escrever sobre o terceiro disco da Legião Urbana, que dá título para este texto.
Fui ouvir pela enésima vez a voz de Renato Russo e o trabalho da banda.
Diferente de muitos fãs, eu sou contemporânea de Renato Russo. Nascemos no mesmo mês e ano. Embora tenhamos repertórios diferentes de vida, somos frutos dos mesmos reflexos sociais brasileiros e mundiais. O amargo gosto dos anos brasileiros de politicagem suja, sórdida e de tragédias ambientais. Tenho lembranças da contaminação por radiação com o Césio-137 em Goiânia e do acidente nuclear em Chernobyl, na então União Soviética. Vivências pela inflação descontrolada, inserção de uma nova unidade monetária, por meio do Plano Cruzado do Presidente Sarney. E como se tudo isso não bastasse, até a Argentina sendo Campeã Mundial de Futebol com o jogador Maradona, sendo ovacionado por muitos como melhor jogador do mundo, melhor até que o Pelé. Mesmo fazendo gol de mão. Mas aí é outra história. O compromisso aqui é falar de rock, de uma banda de rock, que até então misturava punk e poesia nos discos anteriores. Naquele momento, a história do rock brasileiro tinha nos paulistas dos Titãs o álbum “Cabeça Dinossauro” e o delírio da “Rádio Pirata” do grupo RPM. Outra conversa, não menos respeitosa também. Veio então a magia surpreendente de Renato Russo, nos transportando aos primórdios da banda, trazendo no bolso as lembranças do DNA de um certo “Aborto Elétrico”, que perturbava sonoramente as ruas de Brasília desde os finais dos anos 70.
Será que isso daria certo?
E aí se deu o passeio e a força que só a Legião Urbana seria capaz de proporcionar.
Uma capa linda e colorida, contrastando com o cinza dos dias, com todos os integrantes da banda mostrando seus rostos. Em primeiro plano o baterista Marcelo Bonfá, depois o baixista Renato Rocha, só depois o guitarrista Dado Villa-Lobos e por último Renato Russo. Certeza de uma inversão de tradições, algo mudando.
A simplicidade das cores e o título fazendo lembrar história e realidade: Que país é este?
O primeiro disco da banda foi uma novidade impactante. O segundo foi ratificação do talento por meio de uma base melodiosa enternecendo versos lindos.
Havia quem já tivesse se rendido, mas havia muitos convictos de que tanto talento, certamente, no terceiro disco não se repetiria. Os tempos eram de desesperança, difíceis. Daí o questionamento “Que país é este?” para começar. Por que não lembrar os acordos ilícitos e obscuros de uma “Conexão Amazônica”, em que imaginários tambores rufavam como códigos? Já se mostrava o motivo do baterista em primeiro plano na foto. As lembranças  de um “Tédio” (com T bem grande), insistindo em voltar. E, parecia que recordar tudo isso era entender que “Depois do começo” o que viesse começaria a ser o fim. Brasil nu e cru. Odiar “Química” não facilitaria nada para o que continuava ditado como importante para se dar bem na vida. Mesmo diante de tantos absurdos, havia a necessidade de ser responsável, cristão convicto, cidadão-modelo e burguês-padrão iniciando por ter que passar no vestibular. E quando parecia que tudo estava mesmo perdido, diante de tanta “porrada” e um som que sangrava, surgiu um caminho, houve uma luz. Parecia que Renato nos lembrava que podíamos desabafar. Mesmo que fosse ao telefone, no quarto com as portas fechadas. Cabe aqui uma confissão. Creio que ao ouvir “Eu sei” todo mundo se identifica. Sempre tem alguém com quem queremos falar por horas e horas e horas. Geralmente é alguém que a gente gosta, e que escutam as lembranças e histórias, como em uma saga, como num gênero western.
A grande surpresa do disco, chegou com uma faixa-saga, “Faroeste Caboclo”. Uma canção enorme dos tempos solitários de Renato Russo como cantor nos idos de 1979 onde é relatada a vida de um certo João de Santo Cristo, que foi celebrizada.
Mas tem mais, muito mais.
“Se fosse só sentir saudade, mas tem sempre algo mais”.
Ai, essa frase toca o infinito da alma.
Viagem certa para a beleza de “Angra dos Reis” mesmo com velho presídio e usina
Quanta beleza conseguir traduzir serenidade dentro do caos que se vive, não é mesmo?
Caos....inversões...alertas...questionamentos.
“Ei, menino branco
O que é que você faz aqui?
Subindo o morro pra tentar se divertir ”.
Qual é o retrato do país? Que país é este?
Isso é só “Mais do Mesmo”.
Que país é este? É o Brasil!
Lugar onde vive uma certa Legião Urbana, que sobrevive entre dias e noites pelas quatro estações do ano.
Assim nos resta ter força sempre e seguir sempre em frente, sem tempo a perder.
Voilá!!!
 Por Alcina Maria Conceição.







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